Contos, crônicas e novelas.

sexta-feira, abril 14, 2006

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Noite. Cidade. Na rua que ladeia um viaduto. Ali existem dois prédios apenas. Não são vistas pessoas entrando ou saindo dos prédios. A rua é sozinha e esquecida, parece ter existido em um filme sobre a degeneração do mundo. Matos crescem vindos das calçadas, altos e bem verdes. A rua não tem saída. Não são vistos carros passando ali. Uma placa dizendo os horários em que é permitido estacionar é uma marca. Dali, a fila de indigentes nunca passa. Não existem sinais de por que eles se forma fila. De fato, moram nas ruas e falam entre si, com vozes lentas, incompreensíveis.

Depois da placa – muito depois da placa - existe um carrinho de bebê colorido, caído contra uma parede. A parede parece ser um muro, não parte de uma construção. Não é possível entender o que a parede cercearia. Não é possível entender o que existe além da parede. Não são permitidos pontos de vista que possibilitem dizer com certeza se a parede faz parte de uma construção ou se ela é parte de um muro, muito menos se ela é todo o muro ou se um dia ela teve portas e janelas, que podem ter sido lacradas com cimentos e pintadas com cal.

No chão, entre o carrinho de bebê e a parede amarronzada existem pequenas casas. As pequenas casas são feitas de pequenos tijolos, pintadas de amarelo. Os pequenos telhados são de metal dobrado. As quatro casas, uma virada de frente para a outra, criam um pequeno condomínio. Plástico verde imita um gramado central. As casas têm cercadinhos de canudos rajados de vermelho. Parecem a maquete de um desenho infantil.

No gramado central, dois sapos. A luz do poste não os alcança: estão sob a sombra do carrinho de bebê. Um dos sapos tem um pequeno chapéu branco de caubói preso por um barbante na cabeça. Ele abre a boca, que tem poucos dentes estragados artificiais, implantes. Gargalha uma gargalhada que não se relaciona a uma gargalhada humana. É uma gargalhada de bicho. O outro, nu, observa e sorri. Ecos são ouvidos dentro das pequenas casas, de onde algo se esgueira.

Um comentário:

Gabriel Affonso-Morales disse...

Da janela...
Me fez lembrar daquele conto antigo seu, dos namorados, o ônibus... lembra?
Muito bom...