Contos, crônicas e novelas.

sábado, dezembro 27, 2008

Dr. Rodenti

Estávamos na sala, meu abdomen encostado no parapeito da janela, olhando os carros e um grande outdoor de calçados de couro, e meus dois amigos sentados no sofá, com o doutor Rodenti encravado na almofada do meio. Não há nada sobre o mal que não esteja nos meus livros, dizia, enquanto espalmava as mãos, friccionando até extrair algum suor, se há um assunto do qual eu 
conheça absolutamente tudo, esse assunto, minha gente, é o mal. O encarei, sozinho, sem a ajuda de nadie. O sotaque era argentino, outros diziam uruguaio, espanhol, venezuelano. Pouco se sabia no Conjunto Habitacional Circular sobre sotaques. Havia quem já houvesse estado na tríplice fronteira, comprando computadores e porta-retratos eletrônicos em Ciudad Del Este, mas isso não signficava nada em termos de aprendizado sobre as diferentes pronúncias do castelhano. Eu, o pequeno Ivan Cascudo e John Pablo Escobar, cujo rosto era ameaçado por uma genética de criatividade espantosa, cagávamos para a origem do velho. Tinhámos não mais do que 18 anos. Da minha parte, gostava de som automotivo. Cascudinho era um punheteiro doentio. Pablo, até onde eu sabia, não gostava de nada em especial, afora vagar conosco, calado, fumando sem parar seus sky's superlongos, sempre de boné, berma e chinelo de dedo. Quando percebi que o mal não era só uma palavra, rapazes, tinha uma idade aproximada à de vocês, e eu vi o mal, como estou vendo cada um de vocês aqui, e eu juro que ele era simpático. Rodenti vivia sozinho, mais um solitário ali, um dia farmacêutico, um dia casado, então abandonado por mulheres e filhos e toda a família. Ou fora ele que os abandonou, não era certo. O homem nunca fizera questão de solucionar a dúvida que rolava, vagarosamente, entre os condôminos. Às vezes uma mulher jovem aparecia e, dizem, subia até seu apartamento, mas o doutor não a deixava entrar e tinham uma conversa quase inaudível pelos vãos da porta. Não se sabia sobre o que falavam. Eu mesmo nunca presenciei a cena. Comentava-se que era uma amante, uma sobrinha, uma cobradora. Não acreditava. No apartamento havia muitos livros, sim, é verdade. Mas nunca pudemos ver, nem ele nos mostrou, algum dos que dizia ter escrito. Eu conheço o mal por que o mal, essa pessoa, virou meu amigo, frequentou minha casa, me contou sua história e ouviu a minha história, gente, e fiz muitas perguntas a ele, e ele respondeu a todas minhas perguntas com cuidado quase excessivo, falava. Era a terceira ou quarta vez que vínhamos ao doutor. Ele nos dava comida congelada e servia licor de laranja, que guardava em uma garrafa embrulhada em papel alumínio. Não havia taças, e usávamos o mesmo copo de plástico grosseiro. Ele gostava de nos ver beber assim, juntos, como irmãos, e ria. Vínhamos os três por que eu, Ivan e John não sabíamos viver um sem o outro. Não sei dizer o motivo de termos nos tornado amigos. Não acho que tenha motivo nenhum, se é que me entende. Só éramos vizinhos desde a infância. O John eu conheço da época em que a gente passava a madrugada toda sentado no chão do meu quarto jogando mario bros. Depois que roubaram o video-game, ele parou de falar comigo. Só voltou quando sua feiúra começou a aparecer, quando sua estranheza física se tornou tão aparente que as pessoas simplesmente se afastaram. Ainda me pergunto: por que ele se voltou a mim? A cara dele tinha todos os problemas possíveis. Para começar, não havia queixo. Sua boca, uma coisinha pequena, um ânus rosado, quase que encerrava o rosto, aberta e obscena, como a de um deficiente mental. Às vezes, vou dizer, dependendo do ângulo com que eu olhava, se estávamos debaixo de um dos postes do playground, com a luz amarela criando sombras estranhas, parecia que sua boca estava no pescoço. Só imagine uma boca no pescoço, e você vai começar a entender do que eu estou falando. Mas posso fazer uma lista: nariz gordo, com narinas muito abertas, uma testa curta demais, com cabelo ralo tal pêlo de rato, crescendo em tufos já em extinção, olhos caídos e grandes que nunca abriam ou fechavam no mesmo momento, que estavam sempre e descompasso, mãças do rosto afundadas. Cobrindo tudo, a pele avermelhada, descamando por inteira e diariamente com a ação de um produto anti-acne que ele usava desde os 13. Eu achava engraçado, começava a rir e não explicava ao John por que estava rindo, e acho que isso me tornava imune à sua feiúra. Como era o mal, meninos, vocês poderiam me perguntar, como ele se parecia? Era uma criança e tinha aquele sorriso cálido que as crianças confiantes têm, percebem?, disse o doutor Rodenti, e ele vivia gargalhando sozinho, mesmo quando não estava brincando. Ele gargalhava muito alto, súbito, como se estivesse pregando em todos uma surpresa. O Cascudinho, o pequeno Ivan, o Ivanzinho ou Ivanzico, tinha parado de crescer lá pelos 16 anos. Tomava hormônios com a esperança de que um dia ao menos tivesse barba, coitado, mas o pouco desenvolvimento nunca o afetou. Era um moleque virado, teve seus momentos com a galera do bloco 4, tipos como o Caroço ou o DVD, que não demoraram a ganhar fama de ladrões e craqueiros, que viveram seus momentos de glória na metade da adolescência e que já estavam presos ou mortos ou crentes, de qualquer maneira apaziguados, e o Cascudo era tão esperto que anteviu esse apaziguamento forçado que sofreria e, da noite para o dia, voltou a interfonar lá em casa para fumar um baseado tranquilo na Casa da Árvore. Falávamos de mulher e de punheta. Cuspindo e fanho como era, metralhava sem parar, já com a brisa na cabeça, técnicas e experiências da masturbação frenética que praticava. Eram ao menos três por dia, dizia. Ele gostava de bater punheta na mesa de jantar, na aula de física, quando era escalado de quarto zagueiro no campo semi-profissional da E.E. Ulisses Lima, olhando ou pensando na irmã, mãe, tia, colega de sala, em bocetas de vacas e de celebridades internacionais. Ele batia punheta com as duas mãos, com dois dedos, com um dedo enfiado no cu, segurando o saco, apertando bem forte os próprios testículos, tinha até já tentado o uso de frutas. Também me contava que tinha um tesão especial com o destino de seu sêmem. Carteiras escolares, cortinas da sala de aula, calcinhas de parentes, mouses, latas de refrigerante fechadas, sanduíches, maçanetas. Todos empesteados pelos espermatozóides agonizantes. Um dia o Cascudo teve uma coleção de revistas e filmes pornográficos que o tornaram popular, mas hoje estava tudo no computador, na internet. A coleção, teve a incrível idéia de doar para a biblioteca da escola _que, ainda mais incrível, aceitou. O que eu respondia a esses relatos banais da mais pura intimidade? Eu falava de som automotivo, do que é possível fazer com subwoofers e potências e caixas e graves, da relação entre cada uma dessas peças, de que tipo de música é aceitável para cada modelo, lhe explicava a destruição provocada por um sony e minhas teorias sobre os pioneers e sua altíssima fidelidade à midia, falava sobre mídia e encontros de sons automotivos, sobre as gostosas de biquini desses encontros e das explosões de pára-brisas, da força das ondas. Dávamos risadas, os olhos trincados, e enrolávamos outro. Meninos, vocês conhecem a bíblia? Nem eu. Mas lá está escrito, em algum lugar, que o mal não é o agente da desgraça, e sim que ele é o facilitador da desgraça. Ele a torna possível, sem nunca precisar operá-la. Eu sei disso mesmo sem ler a bíblia por que eu conheci o mal, percebem, minha gente? O menino, essa criança da qual estou falando, ele fazia com que o mal acontecesse, ele tentava os outros e conseguia que esses outros praticassem o mal. Ele, com uma mãe que claramente estava ali apenas para agenciar seu próprio filho, para facilitar a entrada do Facilitador na vida dos outros, mostrava-se só uma criança no início, uma criança tão inteligente que alguém poderia confundi-la com um prodígio, muito curiosa, falante, que contava aos outros detalhes de suas experiências infantis e abria os ouvidos com muita graça para ouvir as experiências dos outros também, percebem? Um menino magnético, sabem do que falo? E aos poucos ele se mostrava. Foi a punheta de Ivan que nos levou ao doutor Rodenti. Sentados sobre o muro baixo do grande estacionamento, Ivanzico disse que o velho tinha uma antiga coleção de vinis pornôs. O que eram vinis pornôs, eu e Johnny perguntamos. Ah, falou Ivan, são umas mulheres que ficam dizendo o que tão fazendo, tá ligado, "Feu folho para seu pênis efeto e o foco com a ponta do meu fedo", haha, falou o Ivan, o cara mais fanho que já conheci, imitando como seria a voz da narradora. "Eu firo seu pênis da fermuda e o coloco in-fei-ro na boca", hahaha. Rimos também. Aquilo era engraçado. Com ele dizendo ficava mais engraçado ainda. Não conseguíamos parar de rir. Perguntei: quem se excita com isso, e os dois ficaram calados. Logo Cascudinho disse que havia pego dois desses discos. Ao devolvê-los, o doutor não queria que ele fosse embora. O doutor queria falar, disse Ivan. E falou durante ao menos duas horas a um Ivan que, na verdade, queria é voar dali, quem sabe chegar em casa e se trancar no banheiro. Mas foi difícil escapar, e ao final desse tempo, em que, segundo disse o Casca, o velho contou apenas histórias estranhas que estavam em seus supostos livros, Rodenti disse obrigado e lhe pagou cinquenta pratas. Dinheiro. Por ouvir alguém falar. Com direito a licor de laranja e lasagna de molho branco. Casca nos disse, sentado no muro, que voltou algumas vezes para ouvir o gringo delirar e ganhar cinquenta pratas e que, na última delas, ele lhe perguntou se, por acaso, o Ivan não conheceria alguns amigos que também gostassem de ouvir histórias de um farmacêutico aposentado. E fomos, é claro, porque tínhamos 18 anos e nada na cabeça. O que eu conto aqui é a boa e antiga coisa do demônio, falou o doutor. Sobre suas faces. Por que seria diferente? As pessoas enjoaram desse jeito antigo de falar do mal. Elas querem que ele tenha rostos desconhecidos, querem que ele seja assim, comum, qualquer, querem que o mal seja portanto um mistério. Mas o mal não é misterioso. Quando ele está perto, você sabe. E quando ele lhe tenta, você pensa: "O mal está me tentando", e isso não impede que a gente caia na tentação, rapazes. Por que se tem uma coisa verdadeira sobre o mal é que ele não pode ser detido com a cabeça. Estava com meu abdomen ainda encostado no parapeito da janela, e observava duas pessoas, duas mulheres, acho, que entravam num monza marrom, havia uma senhora gorda correndo e cachorros se cheirando timidamente. Uma cena na periferia de São Paulo, minha consciência perdida no reino da banalidade. Pois então, essa criança espantosa, que com a mãe mudou-se para o lado de casa, e que passou a frequentar minha casa, que era ainda a casa da minha própria mãe, ela e suas gargalhadas súbitas gostaram de mim. Como eu disse, se tornou meu amigo. Um adulto amigo de uma criança. Ele chegava em casa quando não havia ninguém, sozinho, talvez trazendo sua solidão para meu quarto. E falava e me inquiria sobre os mais diversos assuntos. Me chamava de amigo, um adulto que era amigo de uma criança, uma criança que não tinha menos do que sete anos, talvez cinco, e que só aceitava conversar comigo se estivesse no meu colo, com seu corpo como que de... brinquedo sentado sobre o meu colo. O meu colo, gente. Comecei a ter medo, eu, um idiota de 18 anos, uma cabeça esburacada, escapando ar, fazendo água, naufragando. Dava pulos com suas gargalhadas, olhava fixamente seus dentes, para seus olhos, e esse meu olhar fixo era... vocês sabem do que eu falo?, sentir que não é possível parar de olhar para algo até esse algo se tranformar em outra coisa?, em uma idéia, em um sentimento, em uma memória, e essa memória criar uma viagem estranhíssima, como a de um sonho, sem que a gente esqueça que estamos acordados pensando no fato de que estamos sonhando e no quão isso é estranho, e nesse pesadelo nosso objeto fala conosco, nos dá ordens, entendem?, e foi a partir daí que eu comecei a pensar que se sentir hipnotizado pelos olhos e pelos dentes de um menino de seis anos, ou coisa que o valha, que isso não era normal, que o menino não era normal. Isso não é normal, eu pensava. Esse menino está escondendo algo, percebem? Seu corpo esconde algo horrível, podre, há coisas dentro dele que não parecem ser o que são. E entender que alguém lhe esconde algo é o primeiro prenúncio da presença do mal, isso eu escrevi num dos meus livros, vocês podem ler, essa frase exacta. Casca olhava para o teto, as pernas apoiadas num pequeno tamborete na frente do sofá. John Pablo chupava as unhas, as costas curvadas para a frente e uma veia saltada na testa curta. Tinha medo do menino, alguém incapaz, fisicamente incapaz, digo. E temia os momentos em que ele chegaria, tinha medo do relógio e do meio da tarde e de sua bundinha esquálida, nada mais do que um envoltório de algo bem diferente do que chamamos de comum. Eu sabia que era ele que chegava pela maneira que tocava a campainha, vários toques ininterruptos, aflito para me perturbar, para me tentar, de que outra maneira posso dizer? Casca me olhou, eu olhei para o Pablo, Pablo olhou para mim e depois para o Casca, que estava olhando para ele no mesmo momento. Casca se levantou e olhou as estantes e interrompeu o velho perguntando onde estava esse livro da tal frase exata mas o velho, ainda pressionando as mãos com força, o bigode rodeado de gotículas de suor, a barriga deformada pela gordura, queria falar, fazer valer as 150 pratas que gastaria conosco, com seus jovenzitos, como dizia. Jovenzitos, meus jovens, minhas crianças, falou, com uma voz pastosa. De que outra maneira eu posso dizer? Aquele menino queria que eu fizesse coisas com ele. Quando vemos na TV a história de que um homem foi com um menino, o que pensamos? Que esse homem, sempre um ser solitário, é um monstro abjeto e degenerado, que ele manipulou um ser pouco desenvolvido para introduzir-se em seus oríficos e com isso ter um prazer simples, brutalmente simples, brutalmente covarde. Pensamos na iniquidade e na complexidade, e que deus não nos fez iníquos ou simples, e que por isso devemos respeitar sua suprema ordem divina e incorpórea da busca da justiça e da dúvida. Pensamos no sexo e na indissolúvel vontade que o envolve, e pensamos que o sexo com alguém pouco desenvolvido destrói qualquer possibilidade de escolha ou de vontade, pensamos que o sexo com crianças não é sexo, é violência pura e infinita, o Inferno. E o que dizem os malfeitores? Dizem que foram tentados, só isso, candidamente, ainda mais terríveis. Agora, com toda a humildadverdad que tenho comigo, com a minha alma, vou perguntar: e se, pelo menos uma vez, esses homens que vão com meninos tiverem razão, falarem a verdade? E se aquele tachado de repulsivo estiver seguindo ordens? E se o mal se alastrar de um, digamos, pólo ativo, mais forte, em direção a um pólo passivo, mais fraco? E se a detestável desigualdade e a odiosa manipulação for produto da criança, e se essa criança estiver preparada, for antiquíssima? E se uma criança não for uma criança?, esse é o meu ponto. Sem cinismo, sem ironia. Eu quero tentar ser completamente aberto aqui, falar de igual para igual, dizia abrindo os braços, só buscando um ponto de vista diferente, minha gente. Jonh Pablo Escobar, o rapaz feioso do bloco 1, se levantou. Eu olhei para ele, que olhava o velho, e o Ivan Cascudinho, o rei da putaria, também olhava o velho, e por isso eu também olhei o velho. Aquele menino queria que eu fosse com ele, disse o doutor, ele ria no meu colo e me apertava e dizia que éramos melhores amigos. Eu sabia. E pensei: "Se eu sei que isso é o mal, o mal já não está em mim", pensei: "Basta compreender o mal para já praticá-lo?", pensei: "Então essa é maior tentação"? Aquele menino gargalhava e se apertava no meu colo, crianças, no meu colo. Ivanzico falou Ah, tio, vai se fuder, e começou com um chute no queixo que silenciou Rodenti. Pablito, com alguma calma até, esperou sua vez e afundou seus pés calçados de sandálias no peito do homem. Eu fui mais radical e joguei, sem pensar, a garrafa de licor de laranja na testa, onde um ponto de sangue começou a escorrer, grosso e escuro. Inspirados por mim, John e Casca pegaram duas cadeiras de madeira que estavam à mão e, alternadamente, as bateram contra a cabeça e o pescoço do doutor, do velho doutor Rodenti, careca, gordo, aposentado. Nenhuma das cadeiras quebraram, e por isso eles repetiram os gestos, mirando também nos braços e nas pernas, até uma das cadeiras se partir em três. Pablo pegou um desses pedaços e me deu. Eu peguei esse pedaço e tentei enfiar com um golpe na boca do velho. Senti alguns dentes se partirem e algo mole se rasgar. Ao mesmo tempo, Ivan o tirou do sofá com um puxão. Ele caiu no chão e em torno dele se criou uma poça de sangue. Não dava para saber de onde o sangue vinha. Daí Casca deu um pulo bem alto e martelou os dois pés juntos nas costas do homem e surgiu um barulho engraçado. Eu repeti seu gesto, e o John Pablo também, e também surgiram barulhos engraçados. John tentou levantar o sofá e jogar em cima do velho, mas não conseguiu. Cascudinho tirou sua camisa e começou a chutar a cabeça de Rodenti. Eu tirei minha camisa e Escobar tirou sua camisa. Todos sem camisa, começamos a chutar diferentes partes do corpo imóvel no chão e a dar pisões em suas mãos. Peguei o telefone preto que havia na sala, me agachei e passei a batê-lo contra a cabeça, até ela se partir como uma fruta. Senti que estava batendo contra uma fruta e parei. Pablo tentava virar o joelho esquerdo ao contrário, mas não conseguia. Casca foi à cozinha e pegou uma faca de cabo de madeira. Deu a primeira estocada e parou. John pegou a faca de sua mão e deu várias estocadas e parou. Eu percebi que estava com a roupa cheia de sangue e parei. Olhamos, posso dizer, durante mais de cinco minutos o que havia no chão. Estávamos suados e com as mãos na cintura. Pegamos alguns vinis pornôs, um ou dois livros grossos, e saímos. 

    

domingo, dezembro 14, 2008

Gomorra, Periferia e Sardela


places, originally uploaded by giancarlo rado.

 Este ensaio não nasceu ensaio: nasceu trabalho acadêmico. Este conteúdo não é o mesmo apresentado: foi alterado. E esta epígrafe portant não nasceu epígrafe: nasceu paráfrase. 


     Desde criança me sinto atraído por filmes sobre gangster e máfia. Um em particular marcou minha adolescência, Era uma vez na América, de Sergio Leone. Daria ainda para listar outros: Scarface, de Brian de Palma; Os Bons Companheiros, do Scorsese. Dele tenho uma admiração por Taxi Driver, um filme especialmente louco.

     Recentemente assisti algo diferente, que mudou minha noção sobre máfia e afins. Confesso que pouco sei sobre como as coisas andam por lá, na Itália, ou como tudo começou. Quando penso sobre isso, sou – e acredito que a maioria de nós – sempre influenciado pelos blockbusters hollywoodianos.

     O filme começa num salão de beleza. Onde todos são aparentemente grandes amigos. Corpos se bronzeando, unhas sendo cuidadas. A vaidade é interrompida com tiros secos, sem silenciador, ainda com o sorriso no rosto. Pow! Pow! Pow! e os corpos já estão no chão. A música, um pop dançante que nós brazucas chamamos de brega, é de um cantor nascido em Nápoles, terra que tem outra filha ilustre, a Camorra.

     Já tinha ouvido falar sobre a Camorra, mas nunca tinha me interessado em saber sobre ela. O filme de Matteo Garrone, por mais que seja um drama ficcional, foi roteirizado com base num livro de raízes jornalísticas e tem atores não profissionais da própria região, como Fernando Meirelles fez em Cidade de Deus, por isso tem um tom quase documental. Um pormenor pessoal é que o filme colocou por água abaixo a glamorização imagética dos mafiosos da minha adolescência.

     Gomorra é um retrato realista e anti-herói da Camorra, cujo os tentátulos espalham-se pela sociedade italiana em um misto de atividades suspeitas e ilegais. Mostra a estruturação da organização e seus sustentáculos de familiares que mantém negócios lícitos, como o dono de uma fábrica de alta-costura que é financiado pelos criminosos, e ilícitos, como o controle do tráfico de drogas e aterros de lixo industrial. Foi baseado no livro de Roberto Saviano, um jovem jornalista e escritor, também de Nápoles, que anda com escolta armada desde 2006 por causa das ameaças de morte.

     Não foi o exótico que me atraiu no filme, nem o glamour. Porque não há romantização. Aquilo que me atraiu foram as possíveis aproximações e diferenças com a realidade que conhecemos no Brasil. Aliás, nunca tinha visto um filme de máfia que ficasse ecoando nossos próprios problemas tupiniquins.

     Os badaladíssimos Cidade de Deus e Tropa de Elite são da mesma linhagem: ficções baseadas em livros que retratam histórias de comunidades que convivem com criminosos e autores que foram parte integrante da realidade da qual escrevem. Saviano é jornalista, da região, então dá para dizer que ele meio que está falando da sua própria casa. Li que ele infiltrou-se por anos na Camorra e fez bem o dever de casa do jornalismo investigativo.

     Se permitem-me fazer uma comparação – e podem discordar se quiserem – na periferia de Nápoles, em Gomorra, assim como no Rio de Janeiro, as crianças ficam maravilhadas com a força que os integrantes de grupos criminosos têm na comunidade. São detentores de um prestígio, mantido na base do medo, e controlam a região em família. Claro que, em qualquer lugar do mundo onde há a ausência de poder público, facções criminosas surgem para preencher esse vazio deixado pelo Estado. Ou elas tornam-se parte do próprio Estado, como o Hamas. Isso deveria ser mais desenvolvido, eu sei, porque o Hamas tem originalmente raízes na resistência Palestina. Seria uma grande cruzada me aventurar nessa comparação. Mas, não agora.

     Apesar de nas favelas cariocas, ou em qualquer favela brasileira, o crime não ser exatamente controlado por famílias durante anos e anos, as relações sociais que eles mantêm são baseadas na união e irmandade, onde o respeito hierárquico é similar como na máfia napolitana. Claro que em guardadas proporções. Acho que Cidade de Deus, apesar de propagandístico, mostrou um pouco isso.

     Gomorra tem uma fotografia bem crua. Precisa e direta algumas vezes, como no contra-luz do diálogo entre Ciro e a mãe de um garoto que mudou de lado e sente-se ameaçada. Filmado em closepróximo à janela de um dos cômodos desses apartamentos populares, que conhecemos bem. Tem a dramaticidade que a situação pede. Outras vezes é bem aberta e areja o olhar com uma beleza geométrica e plástica. Com sequências de pans e pontos de vista passeamos de carro, moto ou a pé pelo vasto cenário de abandono e vazio da província napolitana. Com certeza, sem a estética de fotografia de turismo, nem de clip MTV, que seria um caminho fácil para agradar a massa de jovens espectadores que passam os fins de semanas nos Shopping Centers.

     Garrone passeia com a câmera tensa e realista na nuca dos personagens. Não é nada novo, mas foi bem aplicada. Finalmente um filme sobre máfia sem charutos, chapéus e gelo seco saindo pelas bocas de lobo. Os chefões andam sem camisa, de bermudas e chinelos. Usam anéis e correntes pesadas. Alguns têm tatuagens de prisão, daquelas tipo Amy Winehouse. Empunham armas. São sórdidos como qualquer criminoso. Alguma semelhança com os criminosos que controlam as periferias brasileiras é mera coincidência.

     Na Camorra, os mafiosos que controlam os aterro de lixo industrial estão lidando diretamente com normas e leis estipuladas pela União Europeia, assim fica subentendido, e isso é que é assustador, a profundidade das influências na esfera política, seja pela ameaça ou pela corrupção. Isso também acontece no Rio, onde as comunidades transformam-se, muitas vezes, em currais eleitorais, nos quais os traficantes forçam a eleição de determinados candidatos para dar continuidade às relações estreitas que mantêm com o poder público. Isso já se conhece e como disse ironicamente o mestre Geraldo Pereira: “carne de vaca no açougue é mato”. Na última eleição tivemos até teatrinho militar para garantir a segurança e o voto limpo. Será?

     Há cerca de dois meses li que a Camorra declarou “guerra contra Itália”, segundo o Ministro do Interior italiano, Roberto Maroni. Seus integrantes estão eliminando qualquer tipo de oposição ao poder que exercem nas comunidades que controlam. Para dizer que não é brincadeira, assassinaram juízes e integrantes de facções de imigrantes, em sua maioria provenientes de países africanos. O governo italiano já demonstrou que está tentando atuar mais fortemente no controle da região, mas nenhuma força policial parece resolver quando o problema é uma cultura de anos e anos na forma de fazer negócios, de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico. Novamente, qualquer semelhança com nossa realidade brazuca é mera coincidência.

     Em relação aos mais jovens, nos morros do Rio parece falar mais alto a completa falta de opção que o meio em que vivem pode oferecer, por isso fazer parte de grupos criminosos significa ter mais visibilidade, prestígio e o dinheiro que a civilização do capitalismo moderno não consegue oferecer-lhes. Coisas que os Racionais já falaram bastante.

     Mas, na Camorra não é somente isso. É também ser parte de uma família, um determinado clã, um grupo social, onde o sobrenome tem o peso determinante. Os personagens parecem estar a procura do seu espaço ou fazem de tudo para garantir e ampliar o espaço já conquistado. Somente desta forma sentem-se parte de algo grande, algo que oferece-lhes uma identidade, principalmente.

     Há uma passagem interessante no filme que mostra o oposto disso. O funcionário de um mafioso não consegue aceitar fazer parte dos negócios ilícitos e sente-se moralmente afetado. Pede para sair. Ele não é parte da família, é uma pessoa na qual o mafioso via um futuro profissional e deu-lhe um emprego. Para ele, sem relação familiar, sem o peso cultural diretamente relacionado, não houve uma identificação. Nesta cena há um simbolismo da relação do fruto com a terra muito interessante. Com esses pormenores que o filme ganha seus contornos subjetivos. Quem já viu sabe do que estou falando.

     A cultura italiana está muito embutida na nossa cultura. Quem já não foi obrigado a ler Brás, Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado? Lá ele escreve: "Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo". Em Gomorra tive a sensação de que Garrone estava repetindo isso a cada cena, a cada inter-relação das histórias que filma. O problema do filme é a difícil tarefa de retratar mais de 300 páginas do livro de Saviano. E claro, a síntese cinematográfica, em termos de conteúdo, não ajuda. A narrativa das histórias, que vão se correspondendo, parece dispersa e fica às vezes confusa com muita informação. Mas não deixa o filme difícil.

     Em termos metafóricos, de quem conviveu com descendentes italianos no cruzamento do Bom Retiro com a Barra Funda e perdeu a conta das vezes que enfrentou as filas da Festa da Achiropita para comer sardela, fogazza e polenta frita, fica a impressão, ao terminar o filme, de ter cruzado com uma Ferrari sem motor, com estofamento rasgado, com a pintura vermelha desbotada, com as rodas roubadas, abandonada num terreno qualquer da Brasilândia. Rodeada de mato e lixo. Sabemos que é uma Ferrari, mas não é como estamos habituados a ver.

     Gomorra é um recorte muito preciso, com uma mão que sabe onde pressionar. Sem dramas psicológicos profundos. Um drama sem as estilizações de Cidade de Deus. Sem heróis. Sem histórias de amor. Ok, tem o amor de mãe, mas sutil, sem catarses e choramingos. Uma Itália, por exemplo, diferente da filmada por Silvio Soldini, no saboroso Pão e Tulipas. Um outro ponto de vista, talvez mais próximo daquilo que afeta os italianos no dia-a-dia, nos noticiários locais. Social, economica e culturalmente. 

     Soube que o filme passou pelo Brasil na 32ª Mostra Internacional de Cinema, em Outubro, e que deve estrear por aí até meados de Dezembro. Aqui no Porto, estreou há poucas semanas, mas já saiu de cartaz. E acreditem, não é nada fácil achar uma cantina italiana por aqui, não como as do Bexiga. Então, qualquer tentativa de insinuar que a máfia pode estar envolvida é mera teoria da conspiração.


Por Keiny Andrade

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Keiny Ensaia Sobre a Cegueira


Paulista Avenue São Paulo, originally uploaded by KEINY ANDRADE.

Enfim fui ver o aclamado Ensaio Sobre a Cegueira. Não sei dizer se gostei do filme. Há coisas interessantes e outras não, são como deslizes que a experiente equipe de Fernando Meirelles não conseguiu ver.

Vamos começar pelo ponto que achei interessante. O filme é fiel à essência daquilo que Saramago procurou demonstrar no livro. Não sei se Saramago quis evocar um apocalipse hobbesniano, isso me soou como oportunismo crítico de plantão, para deixar de lado os deslizes estéticos do filme e focar em teorias sociológicas. Pura preguiça da dita crítica especializada.

Li diversas críticas nas quais os autores pareciam retirar da gaveta empoeirada os anos de estudos de pós-graduação para mostrar uma análise inteligente e filosófica. Mero pedantismo conteudista. Olha, nada contra isso, mas poucos conseguiram falar do básico: analisar como o filme, no seu conjunto de imagens, diálogos, luz, fluidez, sons, constitui-se como obra. É aí que vejo os deslizes.

Alguns críticos insistem em chamar os filmes do Meirelles de "filme de autor". Com Ensaio foi a mesma coisa. Em qual filme dito de autor o símbolo da Volkswagen é esfregado na nossa cara logo na primeira cena? Digo mais, quem leu e acompanhou na imprensa o pré-lançamento do filme, o blog do diretor, sabe que o próprio Meirelles declarou que fez concessões para se entender com os produtores. Meirelles fez sessões teste para ver qual a reação do público, como era para agradar a todos, teve de "suavizar". Opa, vamos continuar insistindo que Ensaio é filme de autor? Para mim, não é, e Meirelles não é esse tipo de cineasta. Ele pode agir assim, ter essa intenção, porque é uma pessoa sensível e institiva, mas entre ter a intenção e realizar há uma leve diferença. No fim ele teve de fazer concessões para apaguizar os "outros realizadores" e não sair da boa fatia do mercado internacional de diretores que ele conquistou. Andrei Tarkovski deve estar se revirando no caixão por essas bobagens.

Vamos lá, deixa eu falar daquilo que interessa. Ensaio é confuso. Não porque uma sociedade que perca a racionalidade tem de ser confusa. O conjunto de imagem não flui com a simplicidade que Meirelles desejou. Após a apresentação em Cannes, o diretor mexeu no filme, tirou, acrescentou cenas, encurtou falas, e declarou “ficou mais simples”. Não tem nada de simples e, em certo ponto, é até pretencioso demais. As cenas fora, na cidade já destruída, são tão perfeitas, preparadas, arrumadas para estetizar o caos que irritam. É um misto de falsa fantasia caótica, cores pálidas e publicidade de automóvel. Faltou passar um NewBeetle e estaria como num comercial.

Há coisas inexplicáveis e fora de contexto no filme, como a câmera que dá o ponto de vista da bengala dos cegos. Ela surge do nada e vai embora do nada. Não há a mínima conexão com a narrativa, não lhe acrescenta nada. É apenas uma grande angular para impressionar. Não faz sentido. Outro exagero que Meirelles percebeu, e também alterou após Cannes, é que a narração de Dany Glover estava explicando demais o filme. Eu, particularmente, fico com pé atrás com filmes que se auto-explicam. Para evitar isso poderia ter investido mais minutos nas cenas fora, do começo, de como o Estado lidou com a situação e entrou ele mesmo num caos. Quando acontece o início das explicações, aparece o Glover ouvindo uma estação de rádio em português? Hã? Era para ter uma mensagem qualquer aí? Saramago, literatura portuguesa? Era isso? Tudo bem, a fotografia tem alguns méritos, mas abusou demais do desfoque. E por outro lado, tinha momentos tão polidos que não fazia sentido com o resto, principalmente quando todas as técnicas e artifícios para causar a sensação de cegueira praticamente somem quando os personagens são libertados. Poderiam continuar, digo, essas cenas de vultos e brancos estourados, que o diretor usa e abusa, poderiam seguir na segunda parte do filme, já na cidade, de alguma forma, para dar continuidade à sensação de caos interno. Sem isso, a fotografia parece não ter conexão de uma parte com a outra, a não ser pela palidez. Meirelles optou pelas representações miméticas. Se o filme tivesse usado uma fotografia mais dura, com mais tensão nos enquadramentos e desfoque nas cenas da cidade talvez teria resultado numa conexão com o caos interno das pessoas, com a parte do manicômio (90% do filme) e o mundo do lado de fora. Mas sua fórmula foi clichê: trânsito e impaciência (na primeira parte), lixo, mortos, gente desorientada andando pelas ruas (na segunda parte).

Na cena de sexo entre o oftalmologista e a prostituta de luxo, que já havia sido anunciada antes numa outra cena – não entendo porque tanta obviedade – Meirelles se repetiu. Meu amigo Rodrigo Dionísio [1] gostou da forma como foi filmada, diga-se de passagem, e concordo. Mas, ele usou a mesma fórmula da cena de sexo usada em O Jardineiro Fiel. Sexo no branco. É poética. Mas, para mim, isso é apostar em fórmulas, um lapso de criatividade. No ato de criação artística, padronizar pode ser um problema.

Aliás, tudo parece tantar ser criativo demais, bem sacado demais, usando fórmulas já testadas pelo próprio Meirelles ou pelo cinema. Assim é mais fácil não errar, certo? Na cena de Julianne Moore no mercado, quando ela desce ao depósito e enfim fica cega porque está tudo escuro (uau!!), ela pega um salame e devora-o exageradamente. Desculpem-me se perdi alguma coisa, mas não tinha percebido que eles estavam fisica e mentalmente com fome pelos traços deixados nas suas atuações. A fome, exagerada na cena, não é construída ao longo do filme no comportamento dos personagens, vem apenas pelos diálogos. O exagero dela é reflexo, de como disse um amigo, da mão pesada de Meirelles.

A cena dos cachorros comendo um corpo na rua poderia ser uma grande homenagem ao Zé do Caixão, cineasta deixado no limbo do cinema nacional por anos que ressurgiu recentemente, chocando sempre com seu estilo ímpar, sem concessões. Mas, Meirelles teve de suavizar. E como, nas cenas de rua, o tratamento de cores é carregado e usam esses artifícios que deixam a fotografia com o falso ar de surreal, essas partes ficam mais parecidas com comerciais de produtos sofisticados.

Nada contra tentar criar sensações usando cores pálidas, mas nas cenas de rua de Ensaio, a forma de filmar e a direção de personagens são incoerentes com essa estética. Acho que já vimos muita coisa para cair nessas armadilhas e ficar espalhando por aí que isso é uma sacada genial. Falta alguma ousadia, alguma forma de dirigir os cortes, enquadramentos, que fossem coerentes com a luz e as cores escolhidas. Como ele conseguiu na maioria das cenas internas.

Sobre usar luz estourada, brancura, em fotografia de cinema veja "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes. A história, brevemente falando, fala de um europeu vagando pelo sertão nordestino. Tudo é estourado porque os olhos claros do personagem (sei disso porque minha mulher tem olhos claros e sempre reclama) são sensíveis à luz intensa do sertão. Isso no filme é um fio condutor, o mesmo que Meirelles e seu diretor de fotografia, César Charlone, tentaram fazer, e fizeram bem em algumas partes, mas tenho dúvidas, como disse, se acertaram em outras. Algumas cenas estão escuras demais, como os estupros. Apenas para suavizar e não chocar o público em geral? Quando há o sexo consentido como no caso do doutor e Alice Braga é tudo branco? E quando há o estupro é tudo preto? Soluções fáceis, nada genial como andam dizendo por aí.

Em Irreversível, de Gaspar Noé, o espectador é duramente incomodado desde o começo, por isso a cena do estupro faz sentido, tanto dentro do que representa o persongem que o faz, como na narrativa na qual o filme é fotografado. Mas, claro, isso choca as pessoas e para um filme com pretensão de grandes bilheterias não é nada bom.

Ensaio é, como disseram alguns críticos, "entretenimento popular". Ou eu diria, a suavização e estetização do caos. Então vamos parar com esse discurso de "genialidade", "obra de arte" e "filme de autor". Para quem gosta, compre sua pipoca e vá ver o filme. Vale a diversão. E se se sentir afetado, perca seu tempo discutindo sobre a falta de moral e racionalidade num Estado caótico. Quer mesmo discutir nossa loucura? Veja Os Idiotas, de Lars von Trier. E convenhamos, já não somos caóticos o bastante para discutirmos sobre isso diariamente?

Para mim, conteúdo só funciona com a forma coerente, do começo ao fim. Digam o que quiser de "Tropa de Elite", mas José Padilha filmou de uma maneira muito precisa, com a fotografia fazendo sentido com o conteúdo, em todos os aspectos. Sua luz, sua forma de andar com a câmera entre os personagens são contundentes com todo o conteúdo da história. Quem quiser saber mais sobre isso visite as obras de Lars von Trier, principalmente Dogville, uma obra que mistura com maestria forma e conteúdo. Outra é O Rolo Compressor e o Violinista, de Andrei Tarkovski. Outra? Three Times, de Hou Hsiao Hsien. O resto é bobagem, pretencionismo e puro delírio estético. Ou, como já disse, diversão.

Keiny Andrade

[1] O jornalista Rodrigo Dionísio escreve no blog Haja Saco.