Como pode, mulher, tu não sabes pronde ir. Eu mesmo já te disse que vás por ali, ou por aqui. E tu ficas indecisa, mulher. Botei um mapa na porta. Marquei de alfinete os lugares adequados. Pus vermelho nos bonitos. E tu olhas este mapa com os olhos que roubas de mim, mulher. Com meus olhos! Os únicos que pedi quando me ofereceram coisa melhor. És cega, porque me roubas tudo. E vai ficando com tudo dobrado. E vou ficando sem nada. Sem meus olhos. Ainda assim, mulher, sei que deves ir pra algum lugar enquanto tu não te alevantas da minha frente. Chamei-te o táxi e o táxi me vem e me fica esperando ali na rua. E eu com essa cara, sem saber o que dizer. A rua vazia. Aquele perigo todo, mulher. O pobre tem filhos, tem o carro pra pagar, ficou feliz que arranjou trabalho. E tu não te alevantas. Venho eu, bom, respeitoso, tentando fazer de tudo uma coisa só. Simplificar pra ti. Ora, pra mim era melhor que me calasse como te calas. Olhe só, como sou? Sou isso, sou aquilo. Um crápula, mulher. O pior de todos os crápulas, se depender de ti. E por quê? Por que te falo a verdade. Essa coisa dolorida da verdade sai de mim, e assim viro monstro e infiel e cafajeste. Não digo que não aceito. Me roubas o ouvido e te engulo seca na garganta. Que roubas também. Tudo roubas. Acabas de me levar dinheiro. Isso, tive que pagar o pobre pra que ele pudesse comprar a gasolina. E você? Te alevantou daí pra ver como eu fiquei na frente dele? A cara que eu fiz quando disse que não precisava mais dele, meu deus. Sabes o quanto eu tive de paciência. Cada coisa que já não agüentei nessa vida de merda. E você ainda me faz uma desfeita dessas, mulher! Por quê? Eu sei dos meus erros. Cada um deles me arranha a memória de um jeito ou de outro. Todo aquele peso no travesseiro. Ah, eu devia ter feito isso. Falado assim. Mas eu não fiz nada disso. Eu sou um cafajeste mesmo. Tu é que não vais negar. Tu vais ficar aí, encostada pro resto da vida. Com essa coisa dependurada. O mapa, mulher. Eu vejo o mapa e me vem uma tristeza tão grande no corpo. Os alfinetes vermelhos. Como pode? Como pode alguém ser tão burro? Me digas. Vai, tu que não fiques quieta agora. Fala. Eu posso ouvir qualquer coisa depois da vergonha que passei ali fora. Um frio, não podes imaginar. E vento, muito vento. O coitado lá esperando. A mesma coisa todo dia. Eu o chamo e ele vem e te espera. E eu perco meu dinheiro. O pouco que tenho vou gastando em ti e na culpa que eu tenho. E tu não te alevantas daí. Minha mãe me dizia: vá-te. E eu ia. Quando chegava eu nem pra trás olhava. Todo o caminho feito num pé só. Ta certo, mãe, eu pensava. Ta certo. Tem que se fuder na vida. Só assim pra virar homem. Mas tu sabes que é tudo uma grande mentira. E o que eu faço? Eu facilito. Sempre facilito as coisas. Olha, se for pelo caminho difícil ela me diz que não dá, se for pelo fácil ela me senta no chão e me amassa o moleque e fica ali. Sem fazer nada, senhor! Já percebeu como não fazes nada? Como não te alevantas. O que preciso fazer? Meter-te um chute na barriga? Acabar logo com isso. Matar essa coisa. E depois fingir que nunca houve coisa nenhuma. Nunca houve criança nenhuma crescendo aí. Tu abraças um bucho roubado de mim. Não bastavam meus olhos, meu ouvido. Roubas meu bucho e me dizes que carregas meu filho, que roubas de quem? De quem roubas meu filho? Eu nunca o tive, então não é meu, mulher. É teu e tu o roubaste de alguém. Não vai ser do meu dinheiro essa vida. Não será do meu sono que vais tirar essa vida. E havia sangue em ti quando deitamos. Havia o sangue e o cheiro do sangue e me vi sujo dele quando acordei. Então não tem como ser meu. Já te disse pronde ir. Não pode ser meu. Sujaste-me as roupas e vens tentando sujar-me o sono. Agora acordar é mais dolorido. Lavar o rosto, urinar. Que dor. E tu, mulher, que não te alevantas, que dor que tu sentes? Nesse chão imundo, meu deus. Percebes o mapa? Os alfinetes? Eu chamo o táxi, mulher. Vai-te embora e me leva essa criança daqui, mulher.
Contos, crônicas e novelas.
sábado, abril 15, 2006
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