- O cão esteve aqui. Disse que voltava, e deixou um papel. Com nomes, endereços. Gente de sua laia. Confere?
- Exato. Parece-me suficientemente claro que ele esteve aqui e que foi o autor desse, digamos, recado.
- Pois então que façamos algo a respeito. Tenho sugestões que gostaria de expor-lhe.
- Primeiro, antes mesmo de discutirmos isso, gostaria de esclarecer alguns indícios deixados por sua caligrafia.
- De bom grado.
- Veja. Essas letras com os rincões salientes, e essas outras com seus corpos siameses, são todas elas a prova de que foi ele. Digo isso para que não se cometa injustiça. Não aqui. Continuando. A repetição dos alongamentos nas letras mais magricelas indica que sua paciência não havia se esgotado, muito embora estarmos ausentes no momento de sua visita possa ter-lhe suscitado raiva, amargor, indicados pela tendência itálica de algumas palavras. Houve, é certo, cuidado para que não confundíssemos pês com dês. Outro zelo, o de pontuar religiosamente is e até mesmo jotas, indica, a mim me parece, um clara demonstração de que ele sabia que íamos tentar desvendar sua caligrafia. Cão como é, não estaria mais aí para demoras como essa.
- Certíssimo. Pontuou mesmo com zelo.
- E o que dizia você?
- Ah, certo. Proponho que liguemos para esse número aqui, afim de perguntar sobre maxilares, bocas, narizes e olhos azuis. A este endereço, mandemos um mensageiro com a seguinte carta registrada: “os senhores do condado perguntam quais as possibilidades de um metal retorcido”.
- Não havia atentado para esse detalhe.
- Agora que me atento. Mais: vejamos se é possível colocar o assistente para o lugar do ajudante. Penso que o assistente seria mais útil fazendo uma pesquisa técnica sobre caninos, rezes e outros animais já muito assimilados aos bons tratos humanos. O ajudante, por sua vez, que fique aqui, e me sirva de catalogador, pois farei pessoalmente um anúncio de jornal no qual proporei trabalho a algum eletricista de ótima formação.
- Que tipo de trabalho?
- Ora, precisaremos desvendar os espaços possíveis e imagináveis de um sistema elétrico não-determinado. Uma vez que minha área sempre foi e continuará sendo a Literatura, não me vejo fazendo-o sozinho. Opinião técnica, direcionamento racional dos esforços, objetivos claramente definidos. Ciência e por aí vai. Imagino, por baixo, que mais de uma centena de currículos nos chegarão em menos de uma semana. Ao colo do ajudante, e temos frente livre pra pensar. Contrata. Explica o serviço. Define um espaço. Um prazo. Salário. E tá feito.
- Tem razão. Engraçado que estava cego para o ajudante. Será utilíssimo nesse intento.
- Certamente. Agora, a última coisa. Acessemos a data de todas as bibliotecas da cidade. Quero os nomes de todos, absolutamente todos os filiados. Levantamento 1: quem é mais assíduo. 2: dentro de uma lista pré-definida de temas, que, digamos, irá de ciência pura à ficção, em ordem descendente, vejamos dos assíduos os que mais emprestam livros de topo. Selecionemos alguns, penso em 15 ou 20, no máximo. Mesma coisa: explica do que se trata. Liberemos um terço do espaço útil do arquivo e sentamos e esperamos. Eles lerão, em turnos, o recado, anotando sempre que sua faculdade cognitiva julgar necessário; apenas pequenos comentários sobre ele, suas conclusões, sentimentos gerados, qualquer coisa. Que patas e abas estejam a cruzar esses dados com rigor estatístico. Produza-se um relatório. Na nossa mesa em 15 dias.
- Bom, vejamos se adianta.
- Deve adiantar. É apenas difícil, não impossível.
- É importante que isso esteja feito antes que ele volte, quero dizer.
- Ah, isso? Claro, claro. Sobre o tempo não há outra possibilidade. Caso esteja pela metade, é dá ou desce. Estando feito, é no mínimo expertise.
- Os tais Vapores.
- É, Vapores. Mas, sobretudo, sexo.
Contos, crônicas e novelas.
segunda-feira, setembro 03, 2007
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2 comentários:
Me voluntario a ser um desses leitores.
Lendo de novo _já assumi a função requerida_, não me parece que há sexo nisso. Acho que se trata (e uso aqui a autoridade da autoralidade) de como um animal se relaciona com um acontecimento que, para nós, humanos, seria classificado como sobrenatural (a perseguição é empreendida por uma força invisível que termina levitando objetos). Ficou confuso e ruim pois eu estava meio bebâdo quando escrevi.
A não ser que sexo seja algo de paranormal.
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